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quarta-feira, 8 de julho de 2009

ONG quer "hospital" na Cracolândia, em SP


Recebi o texto abaixo de Devanir Amâncio, da ONG Educa São Paulo. Ele propõe a criação de um hospital voltado para o tratamento de dependentes químicos do "crack" na degradada região central de São Paulo conhecida como Cracolândia.

“Hospital do Crack” na Cracolândia

O crack chegou em São Paulo há 20 anos e se disseminou pelas cidades do interior do Estado. Na época, Frei Hans Stapel, fundador da Fazenda Esperança, localizada em Guaratinguetá, Vale do Paraíba, reconhecida internacionalmente pela recuperação de drogados, alertou as autoridades brasileiras sobre o perigo devastador desta droga.

Como uma espécie de peste, o crack se propagou deixando ver agora as cicatrizes sociais e psicológicas provocadas pelo seu efeito nos baixios de viadutos, ‘cavernas’ urbanas à portas de escolas, universidades, estádios de futebol, chegando às áreas rurais, como nos canaviais de Ribeirão Preto e comunidades indígenas – atingindo enfim milhares de pessoas.

A única explicação possível para existência da maior Cracolândia do mundo, em São Paulo, com 6 mil viciados, só pode ser o descaso dos sucessivos governos ao longo dos anos. Mesmo com a atuação intensa das polícias militar, civil, além da Guarda Civil Metropolitana, nada impediria a participação humanitária dos profissionais de saúde do Exército com seus hospitais de campanha sendo montado no local para atendimento, prevenção e apoio.

As blitze na Cracolândia, chamadas entre os usuários de crack de “vai e volta” ou “cata nóia”, não causarão resultados se os poderes públicos não executarem um projeto de logística social e humana que leve à recuperação das vítimas dessa droga.

No momento em que as atenções da cidade estão voltadas para a Cracolândia, é oportuno lembrar que no dia 23 de dezembro de 2008, na tradicional confraternização natalina do Presidente Luiz Inácio Lula da Silva com catadores de papelão e moradores de rua, a ONG Educa São Paulo, conforme noticiou a rádio CBN na época, entregou ao Presidente, através do senador Eduardo Suplicy, uma carta reivindicando a instalação de um centro público de tratamento e recuperação de dependentes, particularmente do crack, em algum ponto estratégico da região, que, desde já poderíamos popularmente chamar de “Hospital do Crack”.

O documento foi assinado inclusive por viciados em crack que freqüentam a região da Luz, no coração da Cracolândia e de uma espécie de mini – Cracolândia que funciona na pracinha sob parte das instalações da Câmara Municipal de São Paulo na Rua Maria Paula. As respectivas cópias do documento foram encaminhadas ao Prefeito Gilberto Kassab e ao Governador José Serra e nelas está sugerida uma parceria entre os três níveis de governo para a implantação do projeto. Também aponta como opção, na falta de área no bairro da Luz, o antigo quartel do Parque Dom Pedro II, ora em processo de deterioração, para abrigar o hospital proposto.

No dia 18 de fevereiro, o Gabinete da Presidência da República acusou o recebimento da reivindicação e informou da sua tramitação no Ministério de Desenvolvimento Social e Combate à Fome.Convém lembrar, de nada adiantará derrubar paredes, construir obras arquitetônicas suntuosas, ilhadas ou blindadas, de repercussão mediática, se o fator humano não for pensado.

A proposta, de início, pode chocar espíritos conservadores ou desinformados. Mas iniciativas semelhantes foram bem sucedidas em outros países e contam com a aprovação da comunidade médico-científica, pois são consistentes no sentido de dar uma solução para o problema. Esta colocação é significativa uma vez que estamos cansados de assistir ao surgimento e degradação de projetos a respeito, que acabam se tornando apenas projetos paliativos. O maior exemplo desse quadro é a existência do Hospital Estadual de Parada de Taipas, especializado em tratar dependentes químicos, que, sabemos todos, ainda não conseguiu conquistar o respeito da população.

No entanto, o “Hospital do Crack” não deve ser mais uma idéia lançada ao acaso, ao sabor de situações emergenciais, como a criação de puxadinhos, tendas e galpõezinhos por parte do poder público municipal mais importante do Brasil para atender os cidadãos viciados. Exige um sério debate não só sobre o problema específico da droga e seus desdobramentos sanitários, mas também, e sobretudo, da participação da sociedade na sua implantação , como um aprendizado coletivo para se resolver com eficiência questões semelhantes que forem surgindo. Se assim fosse, não estaríamos assistindo agora a esse espetáculo absurdo de um gueto de dependentes, tangidos por traficantes individuais e também pelo crime organizado, que sobrevive há décadas em pleno centro da principal e mais rica cidade do País, como se fosse a situação mais natural do mundo. Igualmente, não veríamos minorias homossexuais debatendo-se nos seus sofrimentos, vagando pela região do Arouche, da Paulista e da Cidade Universitária formando um triste contingente de párias e mulheres extremamente pobres no mundo do crack, confinadas em horrorosas casas de prostituição da grande Zona Leste ou no famoso ‘meia nove’ no Centro.

Como esses núcleos se movimentam principalmente à noite e como a noite tudo encobre, foi encontrado um prático tapete para esconder essas manchas de injustiça, alimentadas pelo descaso governamental, preconceitos e individualismo, este, que já provou ser imensamente burro, que nos perdoem nossos irmãos de orelhas compridas. Como não classificar como burrice a passividade que propiciou por anos e anos a fio a renovação macabra de usuários – crianças que ficaram adolescentes; adolescentes que se tornaram adultos; adultos que por sua vez, por força do vício, se tornaram nóias irrecuperáveis arrastando seus cobertores esfarrapados e exibindo as sombras da desgraça no rosto.

Talvez, com a construção do “Hospital do Crack”, ainda haja tempo para salvar milhares de vidas na cidade que tem realizado nos últimos anos mega eventos culturais com cifras milionárias e receberá a Copa do Mundo em 2014. Será mais um movimento produtivo para disparar a sonhada Revolução Comunitária que poderá nos livrar de nossos pecados sociais. Da qual estamos assistindo e impulsionando os primeiros passos.

Devanir Amâncio
Presidente da ONG Educa São Paulo

2 comentários:

  1. O que me surpreende é o fato do Governo ter gastado quase meio bilhão de reais no Teatro de Dança, mas não ter investido um centavo sequer em latas de lixo, orfanatos e clínicas de recuperação de drogados.

    Ou seja, em uma casa infestada de ratos, ele reformou a frente da casa, mas não contratou o detetizador.

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  2. Devanir, meu sobrinho é usuário há muitos anos.Sempre desaparecia e voltava, mas há 4 meses não dá uma notícia sequer.Na última vez que falei com ele por telefone, ele me disse " Regina, dessa vez, se eu voltar pra rua vou me matar".Estamos desolados pq queríamos saber se ele está morto ou vivo, precisamos saber!!!!.
    Para a família é um sofrimento infinito, gostaria de enviar a foto dele (ele deve estar muito diferente, pois a droga acabava com ele), por favor me diga como faço?Quem sabe vc pode nos ajudar.Obrigada-Regina meu email - retrancoso@yahoo.com.br

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