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domingo, 17 de janeiro de 2010

ARTIGO

O Estado não pode tudo

Por João Antonio*

O jornal O Estado de S. Paulo, sem renegar seu alinhamento ideológico, nem o seu comprometimento com o conservadorismo político - nem mesmo com aqueles que mancharam a história do Brasil quando tomaram de assalto o Estado brasileiro e impuseram uma ditadura violenta e sanguinária -, escreve em seu editorial de 17/01/2010 pesadas críticas ideológicas ao Partido dos Trabalhadores.

Das críticas, o que da para inferir é que o jornal atribui como projeto estratégico do PT o regime de partido único, economia planificada, “ditadura do proletariado”, enfim tudo aquilo que caracterizou as experiências socialistas nos moldes stalinistas no mundo. Ledo engano! Vejamos:

O jornal escreve: “Deputado na Constituinte de 1988, Lula desobedeceu ao comando do seu partido ao assinar a Constituição que ela produziu. A bancada do PT recusou-se a assiná-la. Não fora para substituí-la por uma democracia burguesa que os seus futuros companheiros do PT lutaram contra a ditadura da direita.

Ao que eles visavam era outro tipo de ditadura, parecida com isso que está no Programa Nacional de Direitos Humanos (PNDH), ou seja, um projeto de populismo autoritário organizado na forma de uma democracia direta - assinado pelo presidente Lula.

Estabelecido esse regime, Congresso e Judiciário ficariam em segundo plano. As decisões importantes seriam transferidas para o chefe do Executivo, apoiado diretamente em comissões, conselhos e organizações cooptadas pelo poder central, subordinadas à sua orientação ideológica e nutridas, quase sempre, com dinheiro do Tesouro.

Esses grupos podem ser movidos por ideologia ou, no extremo oposto, por interesses meramente fisiológicos. Exemplos deste último caso são facilmente identificáveis no peleguismo brasileiro e na permanente procura de boquinhas na administração pública
”.

A afirmação do Estadão de que Programa Nacional de Direitos Humanos (PNDH) retoma o “velho propósito” do PT de fortalecer um projeto de democracia direta autoritária, concentrando o poder nas mãos do presidente e esvaziando os demais poderes, Legislativo e Judiciário, não passa de mera divagação ideológica na tentativa de dar uma substância diferente, do que de fato é, a um documento importante, expressão de acúmulo histórico na área dos direitos humanos no mundo. Tudo que está no citado documento, incluindo a punição a torturadores, nada mais é do que a reprodução dos princípios contidos na Declaração Universal dos Direitos Humanos da ONU.

Quis o Estadão dizer que os “Conselhos” ali propostos são os Soviets soviéticos ou CDRs cubanos? Para o jornal, “concentrar o poder nas mãos do presidente” seria a tentativa do PT de reeditar um modelo do tipo secretário geral do PCUS que também era o chefe do Estado soviético? Ora! Nada mais ridículo reeditar, dando tamanha importância a este tipo de debate ideológico no contexto posto.

Querer ideologizar este fato e atribuir como causa primeira petista a defesa de uma “ruptura revolucionária” para implantar outro tipo de “ditadura” é “forçar a barra”, é não reconhecer que o PT nasceu fazendo crítica as burocracias stalinistas e nunca adotou, como seu, o modelo de partido “leninista”, cujo centralismo “democrático” favorece uma casta burocrática em detrimento da participação democrática dos seus membros.

Talvez o Estadão não se lembre ou não queira se lembrar que o PT ofereceu apoio, de primeira hora, ao movimento Solidariedade na Polônia, movimento símbolo de rompimento com os equívocos das burocracias “comunistas” do leste europeu. 

Pior ainda é querer 'linkar' esta falsa polêmica ideológica à postura da bancada petista na Constituinte de 1988. Quem disse que os deputados petistas não assinaram a constituição por não verem na democracia representativa um modelo adequado de representação dos anseios do povo? Na verdade, apesar de haver posições esquerdistas no seu interior, para a maioria petista, o móvel, ao não assinar a atual Constituição, a meu ver hoje, uma posição equivocada, foi a constatação de que o texto aprovado não expressava, em sua totalidade, o conjunto dos direitos fundamentais que o partido reivindicava positivar na carta maior, e que, naquelas circunstâncias, assinar a Constituição poderia significar uma abdicação de tudo o que foi defendido, porém a correlação de forças não permitiu sua positivação.

Ferdinand Lassalle, considerado um precursor da social democracia alemã afirma: “As constituições são consequências dos mutáveis fatores sociais que condicionam o exercício do poder. A Constituição rege efetivamente o poder político de um país em virtude das condições sociais, econômicas e políticas nele dominantes; ela reside nos fatores reais e efetivos do poder que dominam a sociedade, podendo haver contradição entre a Constituição real e a Constituição escrita; sempre que tal ocorre, a Constituição escrita é ou afastada, ou reformada, ou colocada em sintonia com os fatores materiais do poder da sociedade organizada, que é mais forte”.
 
Para aqueles que desejam manter o atual “status quo”, muito pouco precisa ser feito em matérias constitucionais. Para aqueles, como Lassalle, que entendem que uma constituição expressa a real correlação de forças sociais, econômicas e políticas de uma época, todo momento é tempo de mudanças ou adequações com o objetivo de ampliar as conquistas da coletividade.
 
Prossegue o editorial: “Democracia direta é sempre democracia apenas no nome. O sistema representativo, tal como instituído nas sociedades ocidentais modernas, é certamente imperfeito e vulnerável ao poder de grupos. Mas dispõe de mecanismos, em geral eficientes, para canalizar e amortecer as pressões, confrontar e pesar interesses e, é claro, para estabelecer um razoável equilíbrio entre os Poderes de Estado.

A democracia direta elimina esses mecanismos de segurança, em nome dos "interesses do povo". O decreto do PNDH valoriza o recurso às decisões plebiscitárias e sugere a concessão ao "povo", além de uma participação maior na elaboração de leis, do poder de veto. Leis de iniciativa popular já são previstas na Constituição de 1988, mas não o veto popular
”.

Para responder cito: “A vontade geral só erra quando enganada. Ela não pode querer mal a si mesma, mas pode apenas confundir um bem aparente (um bem particular) com o bem verdadeiro (o bem geral). A garantia contra este “engano” é a participação, no Estado, de cada um como cidadão, ou “que não haja sociedade parcial no Estado e que cada cidadão opine apenas a partir de si mesmo”. Mesmo sob o predomínio do particular, a vontade geral nunca deixa de existir, razão pela qual ela deve sempre ser consultada”. (Karl Marx “Crítica da Filosofia do Direito de Hegel”: Pag. 24, Ed. Boitempo)

Por que ter medo da democracia direta? Para aqueles, como eu, que defendem a democracia como a expressão da vontade coletiva de um povo, quanto maiores forem os mecanismos institucionais de participação popular, garantidos inclusive na constituição, maior será o controle do Estado, melhor será a sua instrumentalização em beneficio de todos.

Não é desejável o Estado a serviço de uma elite, muito menos de uma burocracia, seja ela de esquerda ou de direita. Não é desejável também qualquer tipo de manipulação do povo, seja esta vinda de grupos que se arvoram donos da consciência coletiva como se estivessem acima do bem ou do mal, ou de parcela da mídia que se diz dona da opinião pública, em nome de quem fala a todo tempo sem expressar, necessariamente, a média do que pensa a sociedade.

O Estado existe para defender o bem comum e um bom conceito de bem comum foi formulado pelo Papa João XXlll: “O bem comum consiste no conjunto de todas as condições de vida social que consintam e favoreçam o desenvolvimento integral da personalidade humana”.

Neste mesmo diapasão  o mestre Dalmo de Abreu Dallari arremata em sua clássica obra Elementos de Teoria Geral do Estado: “Ao se afirmar, portanto, que a sociedade humana tem por finalidade o bem comum, isso quer dizer que ela busca a criação de condições que permitam a cada homem e a cada grupo social a consecução de seus respectivos fins particulares. Quando uma sociedade está organizada de tal modo que só promove o bem de uma parte de seus integrantes, é sinal de que ela está mal organizada e afastada dos objetivos que justificam sua existência”. (Ed. Saraiva, 28ª edição, pg 24).

No afã de defender os privilégios de pequenos segmentos das elites, que sempre foram privilegiados na relação com Estado brasileiro, os editores do Estadão, de forma extemporânea, tentam ideologizar um debate e estigmatizar o PT como um partido ultrapassado no tempo político. Não é o que pensa o povo brasileiro, como atestam os 80% de aprovação do governo do presidente Lula, em que pesem posições contrárias do citado jornal.

O Estado brasileiro vai continuar a ser democratizado porque estes são os anseios de milhões de brasileiros. Ninguém vai conseguir calar o canto de nossa gente.

* Vereador, líder da bancada do PT na Câmara paulistana e vice-presidente do PT Estadual de São Paulo.

2 comentários:

  1. É inacreditável como a mídia insiste em manipular a mente do povo com suas matérias tendenciosas. Nunca antes na história deste país houve um presidente que tivesse sido tão xingado, ofendido pela mídia e, no entanto, ele é apontado como centralizador e a grande ameaça à nossa liberdade. Qual foi até hoje a mínima iniciativa concreta do governo Lula para censurar quem quer que seja?O edital do Estadão reafirma velhos preconceitos e procuram desinformar para confundir a consciência nacional. Conservadores de todas as estirpes, do latifúndio aos oligarcas da mídia, dos torturadores da ditadura militar até a ala mais atrasada da Igreja repudiam a legitimidade de várias conquistas e avanços presentes no Plano Nacional de Direitos Humanos. O conteúdo de tais manifestações está ligado aos interesses dos beneficiários da grande exclusão social brasileira e dos legítimos representantes de nosso passado escravocrata. O problema todo é que a mídia não admite que ninguém sequer discuta a mídia, quanto mais tenha a ousadia de propor algumas regras básicas de convívio civilizado para esta atividade, como acontece em todas as outras áreas econômicas e sociais da vida brasileira. "É claro que não há como um documento dessa abrangência agradar a todos, só a 80% da população brasileira que apoia o Governo Lula”
    Neninha -SP

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  2. É inacreditável como a mídia insiste em manipular a mente do povo com suas matérias tendenciosas. Nunca antes na história deste país houve um presidente que tivesse sido tão xingado, ofendido pela mídia e, no entanto, ele é apontado como centralizador e a grande ameaça à nossa liberdade. Qual foi até hoje a mínima iniciativa concreta do governo Lula para censurar quem quer que seja?O edital do Estadão reafirma velhos preconceitos e procuram desinformar para confundir a consciência nacional. Conservadores de todas as estirpes, do latifúndio aos oligarcas da mídia, dos torturadores da ditadura militar até a ala mais atrasada da Igreja repudiam a legitimidade de várias conquistas e avanços presentes no Plano Nacional de Direitos Humanos. O conteúdo de tais manifestações está ligado aos interesses dos beneficiários da grande exclusão social brasileira e dos legítimos representantes de nosso passado escravocrata. O problema todo é que a mídia não admite que ninguém sequer discuta a mídia, quanto mais tenha a ousadia de propor algumas regras básicas de convívio civilizado para esta atividade, como acontece em todas as outras áreas econômicas e sociais da vida brasileira. "É claro que não há como um documento dessa abrangência agradar a todos, só a 80% da população brasileira que apoia o Governo Lula”
    Neninha -SP

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