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sábado, 21 de abril de 2007

Para Rui, governo Serra é "autoritário e desleal"

Por Djair Galvão

Continuando a postagem da entrevista exclusiva concedida ao Blog pelo deputado estadual petista Rui Falcão. Nessa parte da conversa ele avalia a postura "autoritária e a deslealdade" do governo do tucano José Serra e faz um balanço dos primeiros quatro meses de mais uma administração do PSDB e aliados em São Paulo.

GOVERNO SERRA E A DISPUTA ELEITORAL DE 2010

BLOG – Passados quase quatro meses, o governo Serra já disse a que veio?

RUI FALCÃO – Já mostrou a sua face principal, que é uma face autoritária. Por incrível que pareça, vencida a ditadura militar, em vigor a Constitução dita cidadã, nós temos hoje um autoritarismo 'sutil'. Não é mais o autoritarismo dos cavalos, da tortura e do AI-5. É aquele autoritarismo que vai se infiltrando aos poucos nas casas das pessoas, nas instituições, e quando você percebe ele já se instalou. Dou exemplos: assim que assumiu a prefeitura de São Paulo, o primeiro ato do governo Serra foi proscrever os Conselhos de Representantes, uma luta de dez anos da sociedade paulistana implantados no final do governo Marta para complementar as Subprefeituras – que também foram implantadas no governo Marta. E ele praticamente, através de uma ação nos tribunais, tornou ilegais os Conselhos de Representantes que até hoje não funcionam na cidade. Dissolveu, na prática, o Orçamento Participativo, repeliu a ação dos Conselhos Gestores que tinham sido implantados há décadas na área de saúde e deixou um 'secretário municipal para assuntos da Capital', o atual prefeito no seu lugar, e trouxe consigo o autoritarismo para o governo do Estado.

BLOG – No governo do Estado, quais medidas autoritárias o senhor enumeraria?
RUI – 150 decretos nos primeiros 3 meses de governo, se valendo inclusive de uma excrescência legislativa que tem em São Paulo, que é os deputados só tomarem posse em 15 de março. Então, legislatura finda, 150 decretos, muitos dos quais seriam obrigatoriamente leis, teriam que passar pela Assembléia Legislativa, como por exemplo a criação de secretarias, a reordenação de várias secretarias, e o mais grave dos gestos autoritários, a intervenção na autonomia universitária. Essa foi uma conquista das universidades, área de pesquisa, extensão e formação, que tiveram – por ato do governador – o secretário de Ensino Superior como presidente do Conselho de Reitores. A intervenção foi tão drástica que, pela primeira vez em muitos anos, nós tivemos uma coesão de todos os níveis da universidade, onde há várias tendências de pensamento, vários grupos de opinião, partidos políticos, e todos se uniram contra a intervenção e a intromissão na autonomia universitária. O governo recuou, o secretário (Pinotti) deixou de ser o presidente do Conselho de Reitores, mas a reitora da USP – que exercia até então o cargo de presidente do Conselho – se recusou a voltar. De qualquer maneira a intervenção permanece porque o secretário de Ensino Superior integra o Conselho Universitário, alterando a correlação interna do Conselho. Diante das críticas, pela fragmentação que essa nova secretaria criou – dividindo a educação em três níveis (uma que cuida do ensino básico, a que cuida do ensino superior e a de desenvolvimento – a quem compete articular a Faculdade de Tecnologia e as escolas técnicas), o secretário Pinotti diz que não há mais fragmentação porque o governador 'íntegra' – é o 'governador integrador' – ele faz a 'integração' quando deveria ser feita pelos padrões pedagógicos, pela participação da comunidade discente, docente e pela sociedade.

BLOG – Ainda no quesito 'autoritarismo tucano', o PT denunciou o governador por querer governar por meio de 'Leis Delegadas'. Como anda essa discussão?

RUI – Existe a figura da Lei Delegada em Minas Gerais (Estado governado por outro tucano, Aécio Neves), por exemplo, e existem Medidas Provisórias no plano federal e em alguns estados também. Diante da denúncia de que o governador pretenderia se valer das Leis Delegadas, ele afirmou que não vai fazer essa tentativa, mas houve uma intromissão muito grande agora, através do presidente da Assembléia Legislativa, que – ao responder a uma Questão de Ordem de uma deputada do PSDB – 'normatizou' o tratamento das leis com regime de urgência e dos vetos. Pelo nosso regimento, tanto os projetos em regime de urgência como os vetos, antes de serem votados eles passam por um processo de discussão, como de resto todos os projetos. O parlamento é um foro de discussão permanente. O presidente interpretou uma Questão de Ordem dizendo o seguinte: passados os 45 dias sem votação, esses projetos caem com prioridade na Ordem do Dia e são votados sem discussão. Quer dizer, os 45 dias estão no regimento, mas a idéia de que eles não seriam mais discutidos é uma interpretação 'casuística'. O PT se voltou contra ela, começou a obstruir e o presidente recuou por 30 dias, dizendo que espera a Comissão de Regimento apresentar propostas. Na verdade eles querem aniquilar o poder de obstrução da oposição.

BLOG – Mas se poderia dizer que o governador mantém esse desejo 'guardado'...

RUI – Exatamente. É uma espada sobre as nossas cabeças. A qualquer momento, se valendo do rolo compressor que ele tem aqui, ele pode lançar mão de medidas que podem nos levar, eventualmente, às Leis Delegadas – que concedem ao governador um dado período para legislar sobre determinados assuntos sem a participação do poder legislativo, ou às Medidas Provisórias que existem no plano federal e são utilizadas pelo governo Lula. Mas nós, pessoalmente, somos contra a existência dessa instituição porque ela exorbita das suas próprias definições. As medidas provisórias servem para serem usadas para fatos relevantes e de extrema urgência, e elas se banalizaram sendo utilizadas apenas para acelerar o processo legislativo.

BLOG – No primeiro discurso de sua volta à Assembléia Legislativa o senhor fez um balanço do domínio tucano em São Paulo. O que diferencia o governo Serra dos governos tucanos anteriores?

RUI – No fundamental, as diferenças não são essenciais. O que há de notar agora no governo Serra é que ele faz um discurso da eficiência, se sobrepondo a todos os outros valores governamentais. Ele não mantém lealdade com o antecessor, coisa que era uma preocupação dos tucanos de sempre ter uma linha de continuidade com o governo anterior – isso aconteceu com o Alckmin em relação ao Covas. Por que não tem lealdade? Porque ele colocou os contratos do antecessor em suspenso, mandou fazer um censo do funcionalismo, ele tem uma posição ambígua em relação à CPI da Nossa Caixa – dizendo que não é problema dele. Na verdade é a disputa instaurada para ver quem é o candidato a presidente da República. Ele enfraquece visivelmente o Alckmin, embora não ao ponto de abrir uma guerra direta porque isso significaria o troco e ele tem telhado de vidro com relação a esse troco. Ele faz um discurso da modernidade, do equilíbrio fiscal – que na verdade é algo que os tucanos nunca alcançaram porque pegaram um Estado com uma dívida de R$ 30 bilhões no início do governo Covas e hoje a dívida supera os R$ 100 bilhões, mesmo tendo vendido praticamente todo o patrimônio que o Estado detinha. O patrimônio público foi alienado, o escândalo das privatizações das empresas de energia elétrica, do Banespa, e hoje nós temos menos capacidade de fazer política pública porque perdemos vários instrumentos nas áras de energia, de financiamento, e a dívida é maior do que quando eles assumiram.

BLOG – Quando assumiu a prefeitura, Serra disse que recebeu a prefeitura 'quebrada' e, pouco tempo depois, anunciou que havia alcançado superávit. Ele repete esse discurso agora no Estado, embora não tenho dito diretamente que encontrou São Paulo quebrado. Como funciona essa mágica, esse truque tucano?

RUI – No caso da prefeitura ele dizia inclusive que o orçamento estava superestimado, e o orçamento que a ex-prefeita Marta Suplicy deixou bateu – foi exatamente a previsão de receita que nós havíamos assinalado no orçamento que se cumpriu. Só que na despesa ele fez cortes monumentais nos serviços públicos. Ele praticamente desativou todas as atividades nos CEUs (Centros Educacionais Unificados), não deu curso à construção dos CEUs, reduziu as exigências em relação às empresas de ônibus. Depois eles (Kassab) promoveram uma elevação de tarifas que foi mais do que o dobro da inflação do período. Houve uma perda de qualidade dos serviços públicos e foi o que permitiu que houvesse 'saldo em caixa', inclusive com a venda das contas do funcionalismo para o Itaú. Hoje a prefeitura trabalha com um saldo oscilando entre R$ 2,5 e R$ 3,5 bilhões, isso à custa de sonegar serviços à população. No Estado ele faz movimento semelhante: vendeu as contas do funcionalismo público para a Nossa Caixa (R$ 2,1 bilhões), as ações da Nossa Caixa – do começo do ano até agora por força dessas operações perderam 30% de valor – a própria Nossa Caixa teve seu valor de mercado depreciado, indicando inclusive que ele pode ter em mira no futuro uma eventual privatização daquele banco.

BLOG – Falando em Nossa Caixa, tem a luta do PT para a instalação da CPI que visa apurar o uso de recursos do banco para satisfazer interesses políticos do governo na Assembléia Legislativa. Por que é tão difícil investigar um governo tucano em São Paulo?

RUI – A CPI da Nossa Caixa, aquela que deveria investigar os contratos de publicidade que favoreceram deputados, políticos, inclusive o filho do governador (Alckmin) com operações poucos ortodoxas, deverá ser instalada agora por decisão judicial. A dificuldade para se instalar CPI em São Paulo se deve a alguns motivos. Havia um item no regimento – que era único no país – que exigia que as CPIs, mesmo com o número regimental de assinaturas, tivessem que ser votadas. Elas não eram incluídas na Ordem do Dia, nunca eram votadas. Então você conseguia as assinaturas regimentais, mas não conseguia botá-las em votação. A bancada do PT conseguiu derrubar esse item do regimento no Supremo Tribunal Federal. Só que agora o que ocorre: não se consegue o número de assinaturas mínimas necessárias para a instalação de CPIs e há um processo de 'inflação' da pauta que os tucanos passaram a obter assinaturas para várias CPIs, a maioria sem importância. Como o regimento não prevê um rito de instalação, fica ao arbítrio do presidente dizer quais CPIs vão ser instaladas. E ainda há um limite, como existe na Câmara Municipal e na Câmara Federal, para o funcionamento simultâneo de cinco CPIs. Então já tem 10 com o número regimental de assinaturas, inclusive a CPI da Eletropaulo que foi proposta pelo PT e tinha sido encerrada na legislatura passada. Nós vamos reinstalá-la. Mas para as demais, por exemplo a CPI do Buraco do Metrô, nós estamos com 22, quando o número regimental é de 32. Eles falam em transparência pros outros. Quando se fala em transparência pros tucanos, nem pensar.

BLOG – O que o PT tem feito para enfrentar o rolo compressor tucano na Assembléia?

RUI – Eles computam 72 deputados na base do governo, mas quando a gente conversa com as lideranças partidárias aqui na Casa o que se percebe é que essa maioria não está consolidada, na verdade. Primeiro tem uma contradição: os partidos que sustentam o governo Lula no plano federal atuam aqui também na Assembléia, e não seguem, necessariamente, alinhamento automático com o governador. É preciso estabelecer um processo de negociação política. Eles têm hoje uma margem 'movediça' que ainda não foi testada em algum projeto de relevância estadual. Por exemplo, o projeto da Previdência (PL 30), que não foi posto ainda em votação, em parte pela oposição que nós temos feito, e pela presença das entidades do funcionalismo aqui na Casa. E, além disso, partidos como PSB, PDT e PV – ao se organizarem no Estado e ao pretenderem manter bancadas acima da Cláusula de Barreira – têm diálogo também com essas entidades, e estas têm dirigentes que são membros desses partidos. Então quando se tratar do tema da Previdência vai ser preciso uma negociação muito grande do governador com as bancadas para afirmar uma maioria.

BLOG – Essa votação será então o grande teste?

RUI – Já agora na apresentação das mudanças do regimento a gente já percebe essa contradição. Porque se você implanta na Casa o fim da discussão de projetos do Executivo e dos vetos, mesmo aqueles partidos que tendem a apoiar o governador vão se tornar desnecessários. Eles sabem disso, que a abolição da discussão é a morte não só da oposição, pode ser a morte deles também e desprestígio final da Assembléia Legislativa. Então a política do rolo compressor está sendo discutida na Casa, pois os deputados querem se afirmar nas suas regiões, querem se preocupar com a eleição de 2008, querem ser reconhecidos também como interlocutores e não como 'vaquinhas de presépio'. E a tendência do governador, como foi na prefeitura, é 'passar a régua', é fazer tábula rasa dos anseios e querer levar apenas o seu projeto pessoal à frente. Acho que ele vai ter que mudar o tratamento aqui na Casa. Então essa contagem dos 72 deputados é uma contagem da mídia, mas ela não foi ainda verificada aqui em casos concretos. E nós estamos dialogando com esses partidos para mostrar a importância de afirmar projetos alternativos, de ouvir as entidades, de ver o que melhor não apenas para os tucanos e para o governador, mas o que é melhor para o nosso Estado.

(continua).

4 comentários:

  1. Fiquei pensando aqui se o deputado não ouviu falar da continuação dos pagamentos que a Nossa Caixa fazia nos tempos do Alckmin... Isso quando ele fala que a maioria do Serra é 'movediça'. Lembrei até da lenda das areias movediças... Vai saber se isso não existe...

    Abraço!

    Armando

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  2. Essa turma aí dos tucanos não está nem aí para respeito a democracia e a regras. O que não existe eles criam, refazem as regras do jeito que bem entendem. É só ver o Serra governando por decreto, controlando o Kassab por controle remoto, fazendo de conta que existe o poder legislativo...

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  3. Rui, vc talvez seja o primeiro a levantar duvidas quanto ao controle efetivo da assembléia pelos tucanos, sobre essa contagem que os jornais fazem. Eles inventam esses números e depois o governo sai juntando a maioria sabe-se lá como.

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  4. Neusa Moreira, Osasco23 de abril de 2007 às 00:30

    O Serra já governa por meio das leis delegadas, delegadas pela sua base, afinal todas as leis que ele quiser ele vai aprovar. Se derem plenos poderes a ele é como se só fosse legalizada a situação atual, infelizmente.

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