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terça-feira, 1 de abril de 2008

Os desafios da Igreja Católica segundo Boff

Para teólogo brasileiro, a Igreja Católica só cresce onde está vigente a Teologia da Libertação. Onde não vigora, entram as igrejas carismáticas e as seitas. "A Igreja perde fiéis por sua própria culpa, por ser muito autoritária, centralizada. Se a Igreja Católica não se abrir, seus seguidores diminuirão cada vez mais", prevê Boff. Leia abaixo a entrevista do teólogo publicada no site Carta Maior:

IPS - Qual o senhor considera o primeiro obstáculo para não esclarecer o crime de dom Pomero?
Boff - A sociedade tem que limpar sua memória. Só assim se faz justiça. As relações humanas não podem ser construídas sobre a mentira e a impunidade. É fundamental que a mesma sociedade exija a identificação dos criminosos e a aplicação das leis. Sem isso, sempre haverá uma ferida aberta e cobranças de dignidade para o sangue derramado.

IPS - Os que estão no poder afirmam que isso seria reabrir as feridas do passado.
Boff -
Essa é uma visão profundamente egoísta porque os que morreram continuam pertencendo à humanidade. A história humana é feita por mortos e por sua dignidade, por suas ações. É preciso resgatar a memória das vítimas, do contrário a sociedade perde sua densidade humana. Os mortos têm outra forma de vida e presença. Estão do outro lado da vida.

IPS - Dom Romero foi um bispo apreciado e querido em todo o mundo. Em várias catedrais européias, inclusive, foram erguidas estatuas em seu nome. Por que aqui, em El Salvador, ainda não se pode prender os culpados pelo crime?
Boff - Oscar Romero é um mártir singular. Morreu pela justiça, por seu amor pelos pobres. É um tipo de santo que não é freqüente na história da Igreja. Inaugura um tipo de martírio pela justiça que nasce de um compromisso de fé. No fundo, imita o que Cristo fez. Por isso, entendo que o poder religioso tenha dificuldade de ler esse sinal novo; não sabe como interpretá-lo.

IPS - Em décadas passadas, considerava-se que o vínculo entre a Igreja Católica e os povos latino-americanos era muito intenso, próximo e forte. Como o vê agora?
Boff - Quase a metade dos católicos vive na América Latina. Então, é, por si mesma, uma força. Mas a Igreja Católica também tem sua capacidade de recriação de um rosto novo, litúrgico, mais adaptado às culturas. Uma igreja que recolhe as memórias da sabedoria, das culturas antigas, indígenas e negras. É uma igreja que está nascendo ainda. Até agora era um apêndice, um reflexo da Igreja européia. Agora é cada vez mais e mais uma Igreja fonte e que está consolidando sua identidade própria.

IPS - Outras igrejas não-católicas ganharam terreno na América Latina. A Igreja Católica perdeu fiéis na região. Como explica esse fenômeno?
Boff - A Igreja perde fiéis por sua própria culpa, por ser muito autoritária, centralizada. Tem insuficiência de ministros porque não aceita que se casem, e isto é cada vez mais um elemento de crise interna permanente. Esta Igreja não se abre, como fizeram as outras. Inclusive o judaísmo abriu-se às mulheres. Se a Igreja Católica não se abrir, seus seguidores diminuirão cada vez mais. Apesar disso, a Igreja Católica tem irradiação desde as bases, centros bíblicos, pastorais sociais da terra, dos negros, dos indígenas, que é onde está sua vitalidade.

IPS - Há relação entre o fenômeno da fuga de fiéis e o movimento católico da Teologia da Libertação, que há três décadas era muito forte mas perdeu liderança e ficou acéfalo?
Boff - As investigações mostram que a Igreja cresce onde está vigente a Teologia da Libertação. Onde não vigora, entram as igrejas carismáticas e as seitas. Isto foi comprovado estatisticamente. Também é falso que a Teologia da Libertação tenha reduzido o número de fiéis da Igreja Católica. Creio que se tentou desmoralizar o tirar legitimidade da Teologia da Libertação, e, como conseqüência, se resignaram muitos cristãos que não entendem como o papa e os bispos podem estar do lado dos opressores, dos ricos, e não ao lado dos pobres.

IPS - Quais são os desafios da Teologia da Libertação para resgatar esse espírito, agora apagado?
Boff - No recente fórum mundial da Teologia da Libertação em Nairóbi, com representantes da Ásia, África, América Latina, Europa e Estados Unidos, vimos sua imensa vitalidade e crescimento. Mas, não é tão visível nem polêmica como antes. A Teologia da Libertação está presente ali onde as igrejas levam a sério os pobres e a justiça. O movimento nasceu da experiência de escutar os pobres, os indígenas, os negros e as mulheres marginalizadas, e está tão vigente como há décadas, porque os pobres ainda clamam a Deus para que os ouça. O evangelho que não liberta não é evangelho.

Não me importam muito as críticas dos pudentes deste mundo e da Igreja. Para mim importa que haja cristãos que levem a sério a questão da justiça. A Teologia da Libertação não fez dos pobres um objeto de reflexão. Caminhou com eles, sofreu as perseguições, calúnias, torturas e os assassinatos que eles sofreram. O teólogo tem um pé na miséria e outro na reflexão, e ao unir os dois chega-se à libertação.

Agora também deve-se atender o grito dos integrantes de gangues e dos jovens que não têm nenhum lugar na sociedade, os que sobram, sem políticas públicas que os contemplem: os drogados, os entregues à violência, os condenados da terra. Mas, também à Terra, às águas e florestas e os animais, ameaçados por uma cultura sem piedade nem sensibilidade e que pode levar a uma crise do sistema da vida com o desaparecimento de centenas de espécies.

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