Para Marilin Rehnfeldt, coordenadora do curso de Antropologia da Universidade Católica de Assunção, candidatura de Fernando Lugo representa oportunidade de retirar do poder uma elite corrupta que se serve do Estado em benefício próprio.
O site Carta Maior conversou com a professora e militante do Movimento Popular Tekojoja sobre as eleições presidenciais paraguaias e os elementos históricos que levaram o país a estar sob o comando do Partido Colorado por 61 anos. Nesta entrevista, Marilin fala sobre o golpe militar paraguaio e as possibilidades de mudança que a candidatura de Fernando Lugo acenam.
Carta Maior – Como explicar que um partido político fique seis décadas no poder, com acusações de fraudes em diversas eleições, sem que haja uma oposição forte no país?
Marilin Rehnfeldt – A história paraguaia é marcada por governos autoritários e por uma cultura autoritária, que remonta à época da colônia. Sempre tivemos figuras muito fortes dentro do governo desde Marechal Lopes até os governos militares. Mas, de toda forma, existia uma cultura democrática insipiente. Até que, nos anos 40, os militares tomaram o poder depois de uma larga série de disputas internas. Sempre houve dois partidos políticos no Paraguai, com uma influência muito grande que vem de várias décadas até hoje, o Partido Colorado e o Partido Liberal.
Houve disputas e combinações entre as elites que estavam em ambos os partido, mas finalmente eles colaboravam entre si. Então, depois de uma guerra muito cruel em 1947, de um enfrentamento grande no país, os militares tomaram o poder. Stroessner (1) toma o poder e inicia uma ditadura de 35 anos, que vocês no Brasil também conhecem bem. Ele governa justamente com as forças armadas e com o Partido Colorado. Isso foi o que permitiu ao Partido Colorado se manter todas essas décadas no poder.
Carta Maior – Mesmo depois de reestabelecida a democracia no Paraguai?
Marilin Rehnfeldt – Durante a chamada transição democrática esse controle do aparato estatal continuou muito forte e é esse fato que permite ao Partido Colorado seguir governando até hoje. E não é somente o aparato estatal, mas também os outros poderes do Estado. O poder judiciário está absolutamente entregado ao partido do governo e também o congresso. Essas são as forças políticas e sociais que fizeram possível isso.
Carta Maior – De que forma a candidatura do ex-bispo Fernando Lugo pode mudar este cenário e remontar um debate político na sociedade paraguaia?
Marilin Rehnfeldt – Nós acreditamos que, pela primeira vez, será possível abrir as comportas de um Estado que estava absolutamente entregue a uma elite determinada, corrupta e que se serve do estado em beneficio próprio. Acreditamos que há uma mudança, uma alternativa. Não será precisamente uma mudança profunda e imediata, porque essas mudanças acontecem em um processo de largo prazo. Mas, pelo menos, acontecerá o inicio de uma mudança diferente.
Acreditamos que nisso a candidatura de Fernando Lugo, e este fervor popular que se apresenta nesse momento, pode ser uma alternativa interessante para que o Paraguai entre na modernidade. Nem sequer dizemos que vamos entrar em um governo socialista, apenas na modernidade. E isso já vai ser um passo muito importante.
Carta Maior– Chega a ser um pouco assustador como a iminência de fraudes eleitorais no Paraguai pode, inclusive, fazer com que muitas pessoas deixem de votar. Como isso se instalou?
Marilin Rehnfeldt – Realmente. No principio da transição democrática, foi muito interessante como pudemos criar uma justiça eleitoral que, em certa maneira, não era independente, mas pelo menos era neutra. Foi na primeira eleição e acreditamos que, pelo menos um pouco, a população confiava nessa justiça. Houve uma participação de 70% do eleitorado nesta eleição. Tal sensação foi baixando até que chegamos em 37% de participação em uma das últimas eleições. Mostrando justamente o descrédito total a que chegou uma justiça eleitoral absolutamente ligada ao governo.
As mesmas fraudes que acontecem em toda parte do mundo, acontecem aqui, mas no Paraguai elas podem chegar a até 90% dos votos. Acreditamos que é o sistema eleitoral que contribui para esta sensação.
(1) Alfredo Stroessner foi o responsável por tirar Federico Chávez da presidência com um golpe de estado militar. Stroessner se reelegeu, em eleições marcadas por fraudes, por 7 mandatos consecutivos, garantindo 35 anos no poder.
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